Abro os olhos e o mundo é meu. O mundo conhecido nada mais é que um reflexo da minha própria existência, como que sonhado por mim. No mundo, qualquer outro para além de mim permanece desprovido de existência própria. Esse outro é virtual enquanto desconhecido e será um futuro acontecimento no desenrolar do sonho. Passará a existir como reflexo de mim a partir do momento em que surja.
Sonho uma casa de espelhos.
Em cada indivíduo que surge descubro o meu reflexo e nele aprendo aquilo que de mim desconheço. Observo neles a essência da minha própria existência. Não há nada neles que não venha de mim, até mesmo aquilo que ainda não conheço, aquilo que ainda não sonhei.
Quando falo descubro que o outro me fala. Apresento-me, digo-lhe o meu nome e o outro retribui, identificando-se também com um nome igual, Eu.
Afasto a ligeira apreensão de esperar que ele se chamasse Outro, ou Tu, ou qualquer nome que não fosse Eu. E entendo o facto de seu nome ser apenas um reflexo meu.
Mais Eus conheci e Outro acabei por conhecer, por assim o desejar. E mais Outros e Tus e Eles e mais nomes aprendo enquanto deambulo no sonho espelhado. O sonho é criado à medida que é sonhado.
E mais coisas vou sabendo, entre reflexos aprendendo como se olha, vê e sente. Aprendendo como se pensa ou sabe, como se ignora ou esquece.
Não perguntei o nome ao reflexo que agora enfrento. Falo-lhe antes do sonho. E a resposta é uma afronta, é uma ofensa intolerável, é incrível o desaforo. Pois diz-me o dogma com toda a pose, que não, que é em si que reside a verdadeira essência da existência e que não sou mais que um reflexo de si no seu sonho verdadeiro.
Heresia, bramo, Eu reflexo do teu sonho?
E vermelho bufo ante a impassível serenidade daquele reflexo que, condescendente, me diz que é natural a minha reacção, que tinha sido idêntica em muitos reflexos a quem se tinha revelado e que, como em todas as outras vezes, não tardaria que eu compreendesse e até esboçasse um sorriso reconhecido.
Ia explodir... Mas não! A perspicácia levou a melhor e luminosamente revejo-me naquele reflexo por inteiro.
Simultaneamente trocamos um sorriso cúmplice, rematámos "Seja!" e despedimo-nos cordialmente.
Fantástico! Cada vez mais aprendo no meu sonho. A essência da minha própria existência vibra em cada reflexo que encontro. Descubro neles a mesma convicção que em mim aumenta, o mesmo orgulho de ser único e o mesmo sonho de viver o Sonho.
E acredito que tudo isto de mim emana.
Não mais falo no meu sonho, povoado de personagens dispares que saltam dos reflexos. Por brincadeira provoco-os com um gesto, adivinhando a sua irresistível repetição para logo de seguida agirem de forma espantosa.
Percorro o meu sonho de espelhos côncavos e convexos, empenados, quebrados, interceptados e paralelos, coloridos, esfumados, multifacetados e estruturas espelhadas de reflexos impossíveis, hologramas e outras maravilhas que ainda não consigo explicar.
Percorro o meu sonho em tempos imensuráveis, de encontros já sem conta, de visões caídas, de memórias que já esqueci.
Pouco mais lembro até ao momento de estranheza em que dei conta de um lento e irreversível empardecimento. As cores começaram por ser menos cores e escurecendo. Os sons foram sendo menos sons e os ecos mais longe, mais tarde e quase nunca. As superfícies eram mais macias, amolecendo, fluidificando, desmaterializando. Eram raros os reflexos que não acompanhavam este lento desfalecimento. Dois ou três que vi de relance, em plena fuga para longe da superfície que ainda os sustinha, para dentro, como se adivinhassem o contínuo embaciamento que os levaria ao apagamento.
E são agora cortinas negras que afasto para mais cortinas afastar. Vejo um reflexo de relance e sigo-lhe o rasto no ondular das cortinas. Corro mas entardece. Escapa-me o sentido e pela primeira vez sinto-me perdido. Ali, é por ali que as cortinas mexem. Ou será o vento. Não há vento. Não há nada para além das cortinas que afasto para mais cortinas afastar.
E afasto a última cortina.
Sonho uma casa de espelhos.
Em cada indivíduo que surge descubro o meu reflexo e nele aprendo aquilo que de mim desconheço. Observo neles a essência da minha própria existência. Não há nada neles que não venha de mim, até mesmo aquilo que ainda não conheço, aquilo que ainda não sonhei.
Quando falo descubro que o outro me fala. Apresento-me, digo-lhe o meu nome e o outro retribui, identificando-se também com um nome igual, Eu.
Afasto a ligeira apreensão de esperar que ele se chamasse Outro, ou Tu, ou qualquer nome que não fosse Eu. E entendo o facto de seu nome ser apenas um reflexo meu.
Mais Eus conheci e Outro acabei por conhecer, por assim o desejar. E mais Outros e Tus e Eles e mais nomes aprendo enquanto deambulo no sonho espelhado. O sonho é criado à medida que é sonhado.
E mais coisas vou sabendo, entre reflexos aprendendo como se olha, vê e sente. Aprendendo como se pensa ou sabe, como se ignora ou esquece.
Não perguntei o nome ao reflexo que agora enfrento. Falo-lhe antes do sonho. E a resposta é uma afronta, é uma ofensa intolerável, é incrível o desaforo. Pois diz-me o dogma com toda a pose, que não, que é em si que reside a verdadeira essência da existência e que não sou mais que um reflexo de si no seu sonho verdadeiro.
Heresia, bramo, Eu reflexo do teu sonho?
E vermelho bufo ante a impassível serenidade daquele reflexo que, condescendente, me diz que é natural a minha reacção, que tinha sido idêntica em muitos reflexos a quem se tinha revelado e que, como em todas as outras vezes, não tardaria que eu compreendesse e até esboçasse um sorriso reconhecido.
Ia explodir... Mas não! A perspicácia levou a melhor e luminosamente revejo-me naquele reflexo por inteiro.
Simultaneamente trocamos um sorriso cúmplice, rematámos "Seja!" e despedimo-nos cordialmente.
Fantástico! Cada vez mais aprendo no meu sonho. A essência da minha própria existência vibra em cada reflexo que encontro. Descubro neles a mesma convicção que em mim aumenta, o mesmo orgulho de ser único e o mesmo sonho de viver o Sonho.
E acredito que tudo isto de mim emana.
Não mais falo no meu sonho, povoado de personagens dispares que saltam dos reflexos. Por brincadeira provoco-os com um gesto, adivinhando a sua irresistível repetição para logo de seguida agirem de forma espantosa.
Percorro o meu sonho de espelhos côncavos e convexos, empenados, quebrados, interceptados e paralelos, coloridos, esfumados, multifacetados e estruturas espelhadas de reflexos impossíveis, hologramas e outras maravilhas que ainda não consigo explicar.
Percorro o meu sonho em tempos imensuráveis, de encontros já sem conta, de visões caídas, de memórias que já esqueci.
Pouco mais lembro até ao momento de estranheza em que dei conta de um lento e irreversível empardecimento. As cores começaram por ser menos cores e escurecendo. Os sons foram sendo menos sons e os ecos mais longe, mais tarde e quase nunca. As superfícies eram mais macias, amolecendo, fluidificando, desmaterializando. Eram raros os reflexos que não acompanhavam este lento desfalecimento. Dois ou três que vi de relance, em plena fuga para longe da superfície que ainda os sustinha, para dentro, como se adivinhassem o contínuo embaciamento que os levaria ao apagamento.
E são agora cortinas negras que afasto para mais cortinas afastar. Vejo um reflexo de relance e sigo-lhe o rasto no ondular das cortinas. Corro mas entardece. Escapa-me o sentido e pela primeira vez sinto-me perdido. Ali, é por ali que as cortinas mexem. Ou será o vento. Não há vento. Não há nada para além das cortinas que afasto para mais cortinas afastar.
E afasto a última cortina.
1 comentário:
"Quando falo descubro que o outro me fala."
abre-se a cortina?
....
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