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20080902

téDio

Inicio aqui a escrita (uma escrita) de forma espontânea e intento terapêutico. Esta é a primeira vez que, conscientemente, sem mais como nem porquê, decido escrever sem qualquer intenção que passe para além da ânsia de permanecer mental saudável. Previno o tédio em tempo e lugar impróprio. Bem vistas as coisas, nunca provei o puro, seco e letárgico tédio, que julgo de sofridas dores de inércia, alucinante na quase absoluta inactividade de pensamento. O grande branco ou o mais próximo de morte que me possa julgar vivo. E sempre algo que impede tal estado limite, qualquer coisa que me desperta pensante, à semelhança do espasmo físico que frequente desencerra estados mais profundos de ausência em corpos adormecidos. São improváveis os temas disparados em alarme de consciência, uma canção de publicidade, palavras soltas em lengalenga, uma visão erótica, a memória do cheiro do tráfego da cidade, a comichão em sucessivas partes do corpo, a aranha na parede, a vontade indómita de roer as unhas, estranhas perguntas:
Haverá quem seja ser seu?
Fácil, assim me parece, escrever empurrado pelo tédio. E este é um dos exemplos de como, sem causa ou nobre motivo, enchemos linhas como quem se urina nas calças sem se ralar e a propósito de coisa nenhuma. Devo reconhecer a futilidade como paradigma humano e, sem grande esforço, entende-la como fruto do tédio que atinge grande parte da estirpe civilizada nos tempos que correm.
São os tempos de quem corre de fuga ao tédio, de sol a sol, fechado.
São os tempos de quem corre atrás de um sonho sólido, material e finito.
São os tempos de quem corre ao banco do hospital em busca de rebuçados para a tosse do seu próprio sustento.
São os tempos de quem corre devagar, quase parado para que a volta ao quarteirão dure a jornada.
São os tempos de quem corre para o lugar na 'sueca' de banco de jardim.
São os tempos de quem corre por correr.
São os tempos de quem corre sem saber que ouvir o silêncio é o final do
tédio.
E digo estirpe civilizada por ressalva às limitações de leigo na antropologia social para além da pequeníssima parte do mundo que habito e que só ao de leve extravaso. E sem pejo afirmo o que nos outros descubro como reflexo da minha natureza, são as faces da natureza humana que reconheço em mim, que de todas apenas me faltam as que ainda não reconheci, assim como:
Espelho quem é espelho meu!
Essa que em mim e nos outros ferve, essa natureza intemporal que nos está ferrada às têmporas desde que começou o tempo do homem.
Natureza intemporal ferrada às têmporas, por dentro, sem que disso dê conta, porque se o notasse em cada segundo da vida, se doesse um pouco, só um poucochinho
espelho quem
é espelho meu!
haverá quem
seja ser seu?

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei a forma não demasiado complexa sem o deixar de ser com que tu falas-te. Por vezes senti-me espelhada.
teresa