hoje verbo hoje verso hoje verto hoje perto hoje certo hoje corto hoje corro hoje morro hoje

20100218

AntónioMe

O António era um homem de um só braço.
E outro braço lhe pendia inerte, como uma comichão, como uma maldição.
E o orgulho que tinha naquele só braço, rematado de mão possante e larga que lhe dava toda a arte de fazer o é necessário fazer, e até mesmo o desnecessário, esse braço que estendia essa mão esquerda num cumprimento quente e informal, era no fundo o orgulho que se tem em tudo o que se tem, e ele tinha esse braço.
O António era um homem de uma só alma.
E outra alma lhe pendia incerta, como um suspiro, como uma negação.
E era de orgulho que renegava a sua própria negação, de se saber capaz do pior sem nunca deixar de olhar os outros como se olhasse ao espelho, capaz do melhor sem entender que se revia no grande que há em todos nós, nessa alma só que ele tinha.
O António era um homem de um só coração.
E tinha pendente no olhar a dimensão desse coração.
E esse olhar cerrou.
Só, esse coração parou.

Sem comentários: